Animais e calor não é uma associação que costume dar bons resultados, como relembrou recentemente a associação de proteção animal PETA. 

Tal como acontece com os humanos, os animais de companhia também sofrem com as temperaturas extremas e o calor é particularmente difícil de suportar, sobretudo para algumas raças que têm características anatómicas, como o focinho achatado, que dificultam a respiração, os chamados animais braquicefálicos. 

Nos cães, essas dificuldades são particularmente sentidas nas raças Pug, Bulldog Francês, Bulldog Inglês ou Boxer. Nos gatos, os de raça Persa e Birmanês são os que apresentam maiores dificuldades respiratórias

Essas são as raças que precisam de maior cuidado e atenção nesta altura do ano, mas todos os animais podem sofrer com as altas temperaturas e até ter a vida em risco se não forem acauteladas algumas medidas importantes. 

Em declarações ao Viral, Rodolfo Oliveira Leal, médico veterinário e professor na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa com uma graduação pelo Colégio Europeu de Medicina Interna de Pequenos Animais, deixa alguns conselhos para os tutores de animais de companhia.

Apostar no básico: hidratar o animal

Garantir uma boa hidratação é um dos passos mais importantes para manter o bem-estar dos animais de companhia no verão.

“Os animais devem ter sempre água à disposição. Não pode mesmo acabar. Deve ser mudada regularmente e devemos assegurar que fica num lugar fresco e longe da exposição solar”, aconselha Rodolfo Oliveira Leal.

Alguns truques podem ser usados para fomentar a curiosidade do animal e levá-lo a ingerir mais água, sobretudo os gatos que são um pouco mais renitentes à ingestão de líquidos. 

O médico veterinário ouvido pelo Viral sugere, por exemplo, a utilização de fontes com água a correr, próprias para animais, a colocação de várias taças com água espalhadas pelas divisões da casa ou colocar cubos de gelo na taça para que a água se mantenha fresca.

Em cães e gatos com o correto aporte de nutrientes na dieta, não é necessário fazer alterações na ração habitual, refere o médico veterinário, embora os gatos possam passar melhor se tiverem um reforço de comida húmida, às vezes até misturada com um pouco de água, já que estes animais, mesmo com o calor, são mais atreitos ao consumo de líquidos.

Passeios só fora do horário de maior calor

Em matéria de passeios, item exclusivo para cães, o médico é perentório: “Desaconselho totalmente passear os animais nas horas em que ocorrem os picos de calor, ou seja, entre as 12h00 e as 16h00”.

Eventualmente, se esse for o horário durante o qual o cão está habituado a passear, Rodolfo Oliveira Leal indica “que se restrinja mesmo só a um passeio higiénico e não se aproveite para dar longos passeios ou para se exercitar o cão com uma bola”.

“Esse tipo de passeios mais longos deve ser feito ou pela manhã ou mesmo ao final do dia, quando está mais fresco”, recomenda.

O tutor pode também levar recipientes com água para ir dando ao cão durante o passeio e, assim, manter a correta hidratação.

Além dos perigos associados às dificuldades de respiração dos animais, também deve ser tido em conta que as patas não têm proteção. Trata-se de pele a pisar diretamente o chão que, nos períodos de maior calor, estará a elevadas temperaturas, o que aumenta o risco de ocorrerem queimaduras nas extremidades do animal.

Rodolfo Oliveira Leal lembra também ser fundamental “que estes animais tenham uma correta proteção contra as doenças transmitidas por vetores – nomeadamente pulgas, carraças e mosquitos – porque estamos no verão e esta é a estação na qual estes vetores são muito prevalentes, sobretudo nos períodos do dia – manhã e ao final do dia – em que é aconselhado passear os animais”. 

Assim sendo, nas palavras do médico veterinário, a aposta deve ser na “desparasitação, nas coleiras antiparasitárias e nos repelentes”.

Prepare a casa para o calor

Para ajudar os animais a enfrentarem as altas temperaturas, o recurso ao ar condicionado ou às ventoinhas para manter as divisões frescas pode ser uma boa opção.

Outra estratégia poderá passar por recorrer a “tapetes refrescantes que são feitos de uma espécie de geleia e permitem ao cão ficar deitado sem que haja sobreaquecimento, como acontece com as camas habituais”, explica o médico veterinário.

Os gatos costumam passar um pouco melhor com as altas temperaturas e têm os seus lugares preferidos no habitat. Por isso, os cuidados com esta espécie em casa devem ser mais dirigidos às janelas e portas que é costume abrir para refrescar os espaços. 

A curiosidade leva muitos gatos a pularem para parapeitos ou varandas e, neste período do ano, as quedas são mais frequentes e podem mesmo causar a morte do animal. 

A utilização de redes de proteção em janelas, portas e varandas é uma solução que evita quedas, traumatismos e fatalidades.

Nunca deixar animais dentro do carro

Sair com o cão, mas depois deixá-lo fechado no carro a pensar que vai só demorar uns minutos enquanto levanta dinheiro multibanco, pode ser o princípio de um acontecimento fatal. 

Em dias de temperaturas elevadas, o sobreaquecimento das viaturas pode colocar em risco a vida do animal por golpe de calor. 

“É preciso lembrarmos que os animais não suam como as pessoas, só conseguem maximizar as perdas de calor pelo arfar e só conseguem suar pelas [almofadas das] patas” e, por isso, é-lhes mais difícil conseguirem regular a temperatura corporal, sustenta o veterinário.

Um estudo publicado na revista Pediatrics debruçou-se sobre a mesma questão com crianças, também deixadas em veículos enquanto os cuidadores se ausentam por instantes, mas pode ser usado como referencial sobre a problemática do sobreaquecimento das viaturas. 

Esta investigação concluiu que, “mesmo com temperaturas ambientais relativamente amenas, o aumento da temperatura nos veículos é significativo em dias ensolarados e coloca os bebés em risco de hipertermia”.

Isto porque, diz-se no mesmo trabalho, os carros “aquecem rapidamente, com a maior parte do aumento de temperatura a ocorrer nos primeiros 15 a 30 minutos”. 

E deixar as janelas ligeiramente abertas “não retarda significativamente o processo de aquecimento, nem diminui a temperatura máxima atingida”, refere-se nas conclusões desta investigação.

Enquanto médico no Hospital Escolar Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa, Rodolfo Oliveira Leal reconhece ser comum que situações graves resultantes destes episódios cheguem à unidade onde trabalha: “Entram na urgência com temperaturas muito elevadas, com cerca de 40 Cº, mas não é febre é hipertermia”. 

A diferença entre estas duas circunstâncias é que a febre altera o centro de regulação da temperatura, o hipotálamo, que fica no cérebro, enquanto na hipertermia “este centro de regulação da temperatura corporal mantém-se igual, mas a temperatura do corpo aumenta exponencialmente e estes golpes de calor podem ser mortais”.

Estar atento aos sinais de golpe de calor 

Tão importante como a prevenção é a rápida ação perante um golpe de calor num animal. Estar atento aos sinais que o animal apresenta e agir rapidamente vai fazer a diferença no desfecho do episódio. 

Rodolfo Oliveira Leal enumera sintomas de alerta como a temperatura elevada, a respiração ofegante, a desorientação, a hipersalivação e, em casos mais graves, as convulsões ou os desmaios. 

Seja qual for o caso, sublinha o especialista, “em caso de dúvida, é fundamental consultar um médico veterinário e ir imediatamente para uma clínica ou hospital veterinário”.

O transporte do animal com um golpe de calor deve ser cuidado, não se deve dar grandes quantidades de água gelada ao animal, sob pena de promover a vasoconstrição o que pode aumentar ainda mais a temperatura. 

Se o animal estiver consciente, deve ser-lhe oferecida água fresca, deve tentar-se arrefecer as extremidades do animal e pulverizá-lo com água fresca. Além disso, deve ligar-se o ar condicionado ou abrir as janelas durante a viagem para que a viatura não esteja sobreaquecida.